Francisco Bali
João Guilherme Dias
Impactus UFRJ
1. O caso brasileiro da regra de Taylor
A meta SELIC é a taxa de juros básica da economia brasileira. O COPOM é o comitê do BCB responsável pela definição dessa taxa, que serve de referência para as taxas de juros do mercado, exercendo influência no crédito e nos rendimentos de aplicações financeiras.
A principal função da taxa SELIC é o controle da inflação. Em um cenário de SELIC alta, o crédito se torna mais caro e o consumo desacelera, o que contribui para a contenção da inflação. Entretanto, se a taxa básica de juros for reduzida, ocorre o barateamento do crédito, elevando o consumo e os investimentos, o que aquece a economia e por consequência eleva os índices de preços. Assim, uma SELIC baixa tende a uma atividade econômica intensa, a um PIB crescente a maiores taxas, a redução na taxa de desemprego e a inflação em alta; enquanto uma SELIC baixa tende a desacelerar a atividade econômica, a baixar a velocidade de crescimento do PIB, a aumentar a taxa de desemprego e a diminuir a inflação.
Taylor propõe uma fórmula geral para o cálculo da SELIC, que leva em conta quatro principais pontos: a taxa atual de inflação (IPCA acumulado de 12 meses), a taxa de juros neutra, ou seja, a taxa de juros que não aquece e nem esfria uma economia, a diferença entre a inflação e a meta (gap da inflação) e a diferença entre o PIB real e o PIB potencial (hiato do produto).
Para o caso específico do Brasil, onde notamos uma forte influência do câmbio e do cenário externo na inflação, a regra de Taylor é adaptada através da incorporação da taxa de juros americana na fórmula. Sabe-se que a taxa de juros dos EUA é determinante para o câmbio dólar real, o que justifica a sua presença na fórmula exposta abaixo. Nota-se que com um câmbio depreciado, ocorre um aumento nos preços de bens importados, o que implica aumento nos custos de produção com matéria prima importada, que será repassado ao consumidor e no aumento dos preços de bens de consumo finais para consumidores ou empresas que os importarem, ou seja, um câmbio elevado tem potencial inflacionário. O oposto acontece quando ocorre apreciação no câmbio, visto que a importação de bens e a produção de bens domésticos passam a ser mais baratas, tornando o preço final mais baixo para o consumidor, isto é, contendo a inflação.
Regra de Taylor adaptada ao Brasil:
it = πt + r* + 0,5 + it EUA + (πt - π*) + 0,5(yt), onde:
i = taxa básica de juros nominais;
r* = taxa real de juros de equilíbrio;
πt = taxa de inflação acumulada em 12 meses;
π* = meta da taxa de inflação;
y = hiato do produto (100.(PIB real - PIB potencial)÷PIB potencial)
it EUA = taxa básica de juros dos EUA
2. Os condicionantes para os juros elevados no Brasil
Atualmente, a taxa de juros real do Brasil está em 6,79%, sendo somente menor que a da Rússia, segundo dados do FMI, ocupando, assim, a segunda posição dentre as maiores taxas reais de juros no planeta. Levando em conta a regra de Taylor para o caso brasileiro, explicitado acima, vamos analisar os principais condicionantes que estão pressionando esse índice: a composição da inflação, o diferencial de juros americanos e uma pressão fiscal em cima do produto e dos preços.
2.1. A composição da inflação como o menor dos problemas
O último dado do IPCA 12 meses foi de maio/24, que apresentava um acumulado de 3,93%, 0,24 p.p. acima de abril. Com uma elevação no núcleo de serviços (4,97% a.a.) e de alimentos (3,28% a.a.), concomitantemente a uma redução nos bens industriais (0,35% a.a.). Esse resultado permanece dentro da banda (3% + 1,5% = 4,5%), o que, por si só, não justificaria a manutenção do segundo juros reais mais alto do mundo. Contudo, há outros drivers além da composição da inflação que serão comentados nos tópicos a frente, primordiais para a decisão unânime do COPOM.
A inflação estava em ritmo de queda desde setembro de 2023, com a retomada do crescimento em abril de 2024, tanto pelos serviços quanto pelos alimentos. Dentre esses dois principais componentes para a trajetória positiva do IPCA acumulado, o núcleo de serviços assume um papel de preponderância na dinâmica de desinflação. Isso ocorre pela sua maior inércia inflacionária, já que está ligado a salários, cujos acordos são realizados através de contratos, promovendo menor flexibilidade nesses preços. Além disso, desde maio, com as enchentes do Rio Grande do Sul, há uma pressão inflacionária sobre os alimentos e o comércio, potencializando a trajetória crescente dos preços.
No relatório da expectativa de mercado, o FOCUS, o IPCA para 2024 está em trajetória ascendente, sendo o último dado (28/jun) mostrando uma inflação de 4% para o fim do ano e de 3,87% para 2025. No entanto, o BCB estima que se a SELIC for mantida em 10,5% a inflação em 2024 e 2025 será, respectivamente de 4% e 3,1%, convergindo para a meta de preços em 3%.
2.2. A influência do diferencial de juros para o Brasil
Como já comentado, os juros básicos da economia são a principal ferramenta para atrair capital estrangeiro e, com isso, alavancar a balança de pagamentos, contribuindo para o controle inflacionário. A questão posta neste artigo refere-se ao nível elevado dos juros no Brasil e se é justificável pelos dados estatísticos.
A influência direta do componente “juro americano” em cima da entrada e saída de divisas na América Latina é historicamente comprovada. Os países latinos sofreram com a chamada “década perdida” em 1980, causada por uma crise de endividamento externo provocada, sobretudo, pelo choque positivo dos juros americanos no final da década de 1970, como uma forma de valorizar o dólar. Isso provocou uma saída expressiva de capital para os EUA, gerando crises profundas nessas nações em desenvolvimento.
Sob uma perspectiva mais prática, os juros americanos, atualmente em 5,5%, são considerados altos, enquanto no Brasil é preciso um juros de 10,5%, praticamente o dobro, para conseguir manter um diferencial sustentável. Esse grande abismo entre as taxas se dá pelo risco que cada país apresenta, sobretudo relacionado à capacidade de pagamento dos títulos do governo (ativos mais seguros de cada nação). Então, os papéis da dívida americana são entendidos como os títulos mais seguros do mercado, sendo usado até como base para se estabelecer o risco-país. Nesse sentido, é preciso de um prêmio de risco maior em países, como o Brasil, que possuem uma capacidade de pagamento a seus credores inferior à dos EUA.
No entanto, as taxas de juros reais praticadas pelos outros países da América Latina são extremamente inferiores às brasileiras, apesar de exercerem efeitos parecidos na atração de capital estrangeiro para o país, como pode ser visto nos gráficos: uma elevação nos juros causa um aumento do saldo da balança de pagamentos.
Fonte: FMI
Ao focarmos nossa análise sobre a sensibilidade do comportamento do fluxo de capital estrangeiro em relação ao nível de juros no Brasil, percebemos que variações similares no saldo da BP (comparando aos outros países apresentados) são derivadas de alterações muito maiores dos juros brasileiros. Portanto, o nosso país necessita fornecer um prêmio de risco muito maior para conseguir atrair a mesma quantidade relativa de capital (em porcentagem do PIB).
Desde julho de 2023, quando o FED pôs os juros à faixa atual de 5,25% e 5,50%, há cada vez menores quantidades de cortes precificados para o curto prazo, elevando os juros futuros estadunidenses. Isso provoca uma pressão sobre o Brasil, sendo uma das causas do fim do ciclo de cortes da SELIC, para manter o diferencial ainda atrativo para capital estrangeiro.
2.3. O risco fiscal como driver da pressão sobre a economia
Apesar de o Brasil possuir maiores quantidades de reservas de divisas do que estoque de dívida externa (gerando uma dívida externa líquida negativa), o que promove uma maior segurança fiscal, o cenário interno ainda não está com as contas alinhadas.
O tema do fiscal tem sido foco no debate macroeconômico desde a crise de 2008 e intensificado com a crise gerada pelo COVID, sobretudo no quesito ligado à necessidade, ou não, de uma maior discricionariedade nos gastos públicos. No entanto, há um consenso entre os principais economistas da escola predominante de que é fundamental o estabelecimento de regras fiscais para que não ocorra, a priori, uma pressão sobre a economia e, em última análise, uma dominância fiscal.
No contexto atual do Brasil, o “arcabouço fiscal” determina um limite no crescimento do gasto atrelado às receitas, com um teto e um piso exógenos e com metas anuais de resultado primário. No entanto, em 2023, primeiro ano da nova regra fiscal, o déficit primário foi de 2,29% do PIB, segundo o BCB, muito superior à meta de -0,5%. Mesmo com essa discrepância da meta, o executivo federal tem persistido com gastos muito elevados e se frustra constantemente em tentar passar no Congresso medidas que aumentariam a arrecadação.
Esse cenário gera no mercado um reflexo de uma teoria descrita pelo economista italiano Alesina em um artigo de 1988, no qual ele desenvolve que, adaptando para o caso brasileiro, um expansionismo fiscal seria causador de uma pressão sobre o produto, gerando inflação, o que teria como resposta um contracionismo monetário feito pelo BCB. Então, um expansionismo fiscal, em última instância, provoca uma reação contracionista.
Como os dados de fiscal e a postura do governo permanecem voltados para um contexto de alto dispêndio público e, conforme o BCB e o IBGE, o hiato do produto está neutro e o mercado de trabalho está aquecido, as expectativas dos agentes econômicos estão direcionadas para um risco fiscal eminente causador de um processo inflacionário.
Nesse sentido, o COPOM é obrigado a manter a taxa de juros elevada para, além de conter essa inflação em potência causada pelo desequilíbrio fiscal interno esperado, não permitir uma sobreposição do fiscal em cima do andamento dos juros na economia, impedindo a atuação do BC para controlar a inflação (dominância fiscal).
3. O futuro da SELIC
Sendo assim, a partir do que foi discutido nesse artigo, vemos os juros americanos e as contas públicas brasileiras como principais determinantes para a SELIC. Portanto, o cenário futuro da taxa de juros no Brasil caminha para uma trajetória em patamares elevados, visto que o FED vem conduzindo para a manutenção de uma taxa de juros alta, o que, como explicado, afeta o câmbio e, consequentemente, a inflação. Contudo, não é apenas este fator que tende a manter a SELIC em alta. A incerteza na política fiscal, marcada pela necessidade de revisão dos gastos públicos e pela ineficiência do "arcabouço fiscal", pressiona a economia e força o COPOM a adotar um viés contracionista na condução da política monetária do Brasil, o que, no momento, significa a manutenção da SELIC altistas. Sendo assim, vemos que a condução dos juros pelo COPOM será focada em manter a SELIC a 10,50%, visto que o BC acredita que com essa taxa a inflação irá convergir à meta em 2025, chegando em 3,1%, por outro lado o mercado não espera essa convergência, o que pode gerar espaço para aumento na SELIC.
No entanto, na atual conjuntura, notamos incerteza em relação a como será a condução da SELIC pelo COPOM nos próximos anos. Isso ocorre devido a divergências na postura dos membros do colegiado indicados pelos dois últimos presidentes. Na penúltima votação da meta SELIC, a não unanimidade frente a um corte de menor magnitude trouxe à tona essa preocupação quanto a um enfraquecimento futuro na independência do BCB. A dúvida em torno desse assunto é se o colegiado do ano que vem, composto apenas por diretores indicados pelo atual presidente da república, terá uma conduta técnica e imparcial. Todavia, na definição da meta SELIC em junho, a unanimidade prevaleceu, o que foi essencial para mitigar os ruídos recentes quanto à escolha futura do Presidente do BCB.
Bibliografia
ALESINA, A.; ARDAGNA, S. Tales of fiscal adjustment. Economic policy, v. 13, n. 27, p. 487–545, 1998.
ARAÚJO, E.; CALDARELLI, C.; CORTAPASSO, J. Padrões da transmissão cambial para taxa de inflação no Brasil. Nova economia (Belo Horizonte, Brazil), v. 33, n. 2, p. 363–392, 2023.
DE MENDONÇA, H. F. Mecanismos de transmissão monetária e a determinação da taxa de juros: uma aplicação da regra de Taylor ao caso brasileiro. Economia e Sociedade, Campinas, (16): 65-81, jun. 2001.
Banco Central do Brasil
Fundo Monetário Internacional
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
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