Texto por Túlio Polillo
Após o banco central dos Estados Unidos anunciar uma mudança na sua política monetária, houve certo desconforto e alterações nas projeções preexistentes. Esse texto objetiva despertar algum interesse no assunto, e até mesmo tentar entender os impactos de tal mudança na economia real.
Antes da pandemia, os Estados Unidos apresentavam o mais longo período de crescimento econômico da sua história. A taxa de desemprego encontrava-se em 3,5% - valor abaixo do cenário pré-crise de 2008 - e o índice de salários mostrava altas significativas. Apesar de não cumprir com sua promessa eleitoral relativa ao crescimento do PIB, Trump fez um bom trabalho e manteve variações positivas durante esse período.
Quando tudo parecia caminhar relativamente bem, a crise do novo coronavírus derrubou a economia americana, causando uma queda de 4,8% no PIB do primeiro trimestre e outra de 32,9% no segundo, sendo esta maior do que a vivenciada na Grande Depressão. Dentro desse cenário caótico, o FED precisou buscar formas de reativar sua economia para além da aprovação de pacotes de estímulos, o que resultou na aplicação da política de maior aceitação de inflação no longo prazo, codificada no plano do BC. Mas antes, é preciso compreender como a taxa de juros é controlada historicamente nos EUA.
Apesar das predileções de Erdogan, atual presidente turco, de que alta taxa de juros promove um ambiente propício para o crescimento econômico, a forma convencional diz exatamente o contrário. A grosso modo, se você está responsável pela condução da política monetária de um país, a normatividade consiste na seguinte dinâmica: se o crescimento econômico está muito elevado, você deverá aumentar a taxa básica de juros para evitar um cenário de inflação acima da meta, e vice-versa.
Trazendo ao contexto americano, a conjuntura econômica que permitia a performance positiva era a inflação estabilizada em 1,8% e uma taxa de juros baixa, quando comparada a períodos anteriores. Apesar desta, Trump chegou a associar o desempenho do PIB abaixo da sua meta ao aumento das taxas de juros feito pelo FED, que, historicamente, tem a missão de permitir o crescimento da economia sem um potencial descontrole da inflação.
Dessa forma, o movimento contrário de redução da taxa deveria se tornar verdadeiro ao tentar estimular a própria economia. O FED anunciou inicialmente uma redução do nível de juros para a margem entre 0 e 0,25%, sem deixar brecha para a possibilidade de juros negativos. Ao explicitar que a intenção era manter a taxa nesse patamar até 2023, surgiram dúvidas quanto a variação da inflação nesse período.
Parte do mercado demonstrou-se contrária à manutenção dessa margem por três principais motivos. O primeiro consiste na preocupação em relação às alternativas de controle de eventuais recessões. Em outras palavras, caso haja algum momento de contração da economia durante esse período, o FED estaria de mãos atadas, dado que o nível de juros já está em seu nível mínimo e, portanto, a sua forma mais eficiente de estímulo torna-se nula. Já o segundo se refere ao aumento de tendência de inflação no longo prazo, dado o prolongado período de baixa taxa básica.
Além disso, como já explicitado, os Estados Unidos viviam um período de bonança, com taxas de desemprego extremamente baixas: algo que não é bem visto, dada a magnitude que uma economia desse tipo requer. Portanto, um retorno a esse nível de emprego, mas sem o controle da inflação, foi precificado como certo risco aos mercados.
Foi justamente nesse contexto que o presidente do FED anunciou uma mudança na política monetária americana, com as chamadas “metas de inflação média”. Tal política consiste numa maior tolerância do Banco Central a níveis de inflação levemente acima da meta de 2%, após um período em que ela esteve muito abaixo da mesma - no caso, os EUA não conseguem atingi-la desde a crise do subprime.
Na prática, o movimento significa que o FED estará menos inclinado a aumentar as taxas de juros quando a taxa de desemprego cair, contanto que a inflação também não aumente. Tal mudança é também cultural, já que tradicionalmente funcionários do Banco Central defenderam que níveis de desemprego baixos levam a níveis perigosamente altos de inflação.
No entanto, a inflação muito baixa pode levar a uma queda indesejada nas expectativas da mesma no longo prazo, o que, por sua vez, pode puxar a inflação real ainda mais para baixo, resultando em um ciclo adverso e em expectativas de inflação cada vez menores. Consequentemente, os formuladores de políticas terão um espaço de tempo encurtado para reduzir as taxas em tempos de estresse econômico.
A mudança estrutural também se traduz no mercado de trabalho ao tentar diminuir “desvios” em seu nível máximo, com uma nova abordagem sobre empregos. De acordo com Powell, é possível sustentar um mercado de trabalho robusto sem gerar um surto de inflação, o que beneficiaria parte da população marginalizada e de baixa renda pela maior facilidade de garantir estabilidade financeira, por intermédio de um mercado mais absorvente.
Por fim, é preciso entender o que é a curva de juros e como o posicionamento dovish - maior aceitação de juros baixos e inflação alta - do FED a afeta. Em suma, a curva de juros, ou curva a termo, reúne as expectativas da taxa de juros do mercado de títulos, ou seja, representa o rendimento previsto na compra de um título em períodos futuros. De modo ainda mais generalista, é a precificação do risco para emprestar um dinheiro por um prazo prolongado.
Para exemplificar, temos o relatório de Morgan Stanley do início de outubro, em que diz que os rendimentos do Tesouro referenciados em 10 anos deverão terminar 2020 abaixo de 1%, frente à expectativa prévia de 1,15%. Ou seja, com o posicionamento dovish do FED, há a tendência de que a curva de juros americana se torne flat, ou mais linear, com os rendimentos na parte curta não muito inferiores quando comparados aos da parte longa.
Apesar das boas intenções de Jerome Powell em promover uma economia americana mais saudável para a população, deve haver o reconhecimento de que essa é uma mudança estrutural baseada em uma visão pouco difundida no mercado. Enquanto muitos prezariam pela manutenção do status quo, no sentido de aplicação de políticas monetárias, a cadeira atual parece disposta a oferecer formas alternativas de lidar com períodos danosos à maior economia do mundo.
Fontes
https://www.cnbc.com/2020/08/27/powell-announces-new-fed-approach-to-inflation-that-could-keep-rates-lower-for-longer.html#:~:text=Fed%20Chairman%20Jerome%20Powell%20announced,target%20before%20hiking%20interest%20rates.
https://brasil.elpais.com/brasil/2019/06/15/economia/1560602434_147668.html#:~:text=O%20Escrit%C3%B3rio%20de%20Pesquisa%20Econ%C3%B4mica,entre%2010%20e%20120%20meses.&text=Os%20especialistas%20costumam%20apontar%20o,empenho%20em%20combater%20a%20infla%C3%A7%C3%A3o.
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