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Foto do escritorImpactus UFRJ

Em Guerra



Era Janeiro de 1933, na República de Weimar, Adolf Hitler se tornou chanceler, iniciando uma escalada autoritária que levaria a algumas das maiores atrocidades cometidas por um país no século XX. Mas como um líder tão autoritário, sem escrúpulos e insano poderia chegar ao poder de uma potência continental?


Um dos fatores que levaram a isso com certeza foi o caos econômico e social que se estabeleceu no país. Na época em que o Partido Nazista chegou ao poder, o desemprego atingia 33% da população em decorrência dos impactos da Crise de 29. Recessão essa, que foi impulsionada pela retirada do financiamento americano às manufaturas alemãs, que diminuíram a produção e mandaram embora trabalhadores. O aumento do nível de desocupação consequentemente reduziu o consumo das famílias e prejudicou as fábricas, que reduziram novamente a produção e reiniciaram a espiral da depressão.


Como consequência, o PIB de 1931 registrou uma queda de 7,6%, enquanto o ano posterior repetiu praticamente o mesmo resultado, com declínio de 7,5%. É difícil olhar para trás e encontrar período parecido, porém, é fácil olhar para o momento atual e traçar um paralelo. O nível de atividade da Alemanha no primeiro trimestre de 2020 caiu 2,2%, se transformarmos os dados anuais acima citados em trimestrais, vemos que houve uma queda média próxima de 2% em ambos os anos, ligeiramente menor que o primeiro trimestre de 2020.


Parece estranho, não? Pensar que estamos testemunhando um declínio semelhante ao que motivou a ascensão de um governo autoritário na antiga República de Weimar. Como se não bastasse, esse grupo de políticos que chegou ao poder na época teve participação em outras guerras.


A primeira delas é a Guerra Civil Espanhola, na qual a Luftwaffe, força aérea alemã na época, teve forte participação. Um de seus atos mais famosos é o bombardeio da cidade de Guernica, que abriu o caminho para a conquista de Bilbao pelas forças de Francisco Franco, que comandou o lado nacionalista e fascista no conflito. No mesmo ano do ataque, Pablo Picasso apresentou em Paris seu quadro intitulado com o mesmo nome da cidade. A Guerra Civil Espanhola, além de danos sociais e à humanidade, teve seus efeitos econômicos negativos.


Em 1936, ano de eclosão do conflito, o PIB espanhol declinou 23,8%, o que significa uma queda média de 6,6% por trimestre. Hoje, após a crise do Covid-19 e poucas semanas de lockdown, a Espanha registra números quase tão abismais quanto, com declínio de 5,2% no PIB do primeiro trimestre. Os dados de hoje são os piores desde o período de conflito entre as forças nacionalistas e republicanas.


A Guerra Civil Espanhola teve seu fim em abril de 1939, quando Franco conquistou uma Madri sem mais contato com Barcelona e severamente minada por disputas internas entre os republicanos. O país levou anos para se recuperar.

No mesmo ano, a Alemanha, com liderança nazista consolidada, invadiu a Polônia e tomou Varsóvia, dividindo o país com a URSS e dando início a Segunda Guerra Mundial. De um lado, tínhamos os Aliados, aliança da qual a França fazia parte, e, de outro, o Eixo, cuja nação líder era a Alemanha.


O alto comando militar em Berlim teve planos ambiciosos para rapidamente derrotar a França e impedir uma guerra de atrição, que prejudicaria o lado fascista, devido à falta natural de suprimentos e ao bloqueio naval da Marinha Real Britânica. Eles incluíam a invasão da Bélgica e da Holanda.


Os comandantes aliados previram que o exército alemão iria atacar a França pela região central da Bélgica, e deixaram menos protegida a fronteira com as Ardenas, considerada então impossível de trafegar com tanques. Esse erro foi fatal e os alemães atravessaram a região florestal e quebraram rapidamente as linhas aliadas, empurrando franceses e alemães para o mar, em direção à Dunquerque.


Sem qualquer possibilidade de reação, os franceses se renderam e a Alemanha dominou a parte costeira da França, com exceção do mediterrâneo. Em apenas 6 semanas, os aliados perderam França, Bélgica e Holanda, além de mais de 320 mil vidas no total. Os danos econômicos foram fortes, e Paris teve queda de 17,5% no PIB em 1940, ano da invasão, e 20,9% em 1941. Se transformarmos dados anuais em trimestrais, teremos quedas de 4,7% em 40 e de 5,7% em 41, praticamente igual à queda do PIB do primeiro trimestre de 2020, de 5,8%. Dessa vez, porém, não temos Paris sendo tomada por tropas nazistas, mas por um inimigo menor e invisível, que demora a ir embora. Apenas com muito esforço e respeito às regras de isolamento, os parisienses retomarão suas vidas normais.


Também foi apenas com muito esforço e sacrifício que os aliados reverteram a guerra na Europa. Em 1943, a Alemanha perdia território para a URSS após o fracasso da Operação Barbarrossa. Os EUA, que entraram na guerra no fim de 1941, também lançaram, junto ao Reino Unido, e a outros países, como o Brasil, a Campanha da Itália. No início, com o golpe de estado em Roma, o Marechal Pietro Badoglio assinou um armistício com os aliados, porém, os alemães assumiram posições defensivas no país e estabeleceram um governo títere no norte, liderado por Benito Mussolini.


Os aliados continuaram avançando, apesar de forte resistência alemã, capturando Roma em 1944. Nesses dois anos, se perderam além de centenas de milhares de vidas, milhares de empregos com a contração econômica que se sucedeu. No primeiro, o PIB caiu 4,1% em média a dados trimestrais e no segundo a queda foi de 5,2%. Já nos três primeiros meses de 2020, a queda foi de 4,7%. A diferença é que a região norte, menos afetada que o sul na guerra, foi a mais atingida na atual crise. A Lombardia registrou a maioria das 32 mil mortes pela doença e foi o epicentro no país. Hoje, a nação passou do pico, mas não sem um lockdown forte e efetivo.


Essa sucessão de operações militares, mortes e conflitos só teria fim em 1945. No início do ano, a Alemanha já estava encurralada frente ao forte avanço do Exército Vermelho no leste e dos americanos e ingleses a oeste. As sucessivas perdas no frente oriental, junto à invasão da Normandia na Operação Overlord, deixaram a antes imbatível Wehrmacth de joelhos. Às portas da capital alemã, os comunistas iniciaram a Batalha de Berlim, que resultou na capitulação da cidade, último ponto de forte resistência alemã na região. O país foi destruído e perdeu até 14 milhões de pessoas. No último ano da guerra, a queda trimestral média do PIB alemão foi de 8,2%, o que estaria perto das expectativas de declínio da atividade para o segundo trimestre de 2020 para o mesmo país.


A diferença é que hoje a Alemanha é um exemplo para o mundo e não mais o inimigo global. O status atual foi obtido com a gestão da crise do Covid-19 pelo governo de Angela Merkel, que fez com que o país tenha um número baixíssimo de mortes em relação ao total de casos e lidere o processo de reabertura.


Nada disso foi alcançado facilmente. O país implementou um lockdown, o qual junto à forte eficiência na aquisição de testes e a um sistema de saúde plenamente capaz, foi a chave para o sucesso na batalha contra o novo coronavírus.


Sem dúvidas, um lockdown custa menos que milhares de mortes. As situações na Guerra Civil Espanhola e na Segunda Guerra Mundial eram piores e os meios necessários para acabar com o problema eram mais caros, pois era pedido aos cidadãos para que arriscassem suas vidas em uma guerra sangrenta. O objetivo desse texto não era equivaler ambos os contextos, mas mostrar que foi necessária uma grande guerra para que a atividade econômica recuasse tanto como o faz atualmente.


Hoje, assim como no passado, também estamos em guerra, mas não com um país ou nação, e sim contra um inimigo pequeno e invisível. Dessa vez, porém, só nos é pedido que fiquemos em casa.


Fontes:


Dados econômicos: Maddison Project Database, version 2018. Bolt, Jutta, Robert Inklaar, Herman de Jong and Jan Luiten van Zanden (2018),

“Rebasing ‘Maddison’: new income comparisons and the shape of long-run economic development”


Maddison Project Working Paper, nr. 10, available for download at www.ggdc.net/maddison .

Please refer to www.ggdc.net/maddison for documentation and explanation of the data series


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