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Islândia, o Pescador Banqueiro

Atualizado: 17 de nov. de 2020

Por Guilherme Andrade e Mael Passanesi


No dia 24 de Outubro de 2008, foi divulgado publicamente o acordo entre o Governo Islandês e o Fundo Monetário Internacional, em que a entidade financeira iria socorrer o governo da Islândia emprestando uma parte do total de 2.1 bilhões de euros. Dois meses antes, o Banco norte-americano Lehman-Brothers havia declarado falência e espalhado a crise financeira para o mundo.


A Islândia, que vinha de anos de crescimento, perdeu, em apenas dois, 8% de sua riqueza. Seu desemprego triplicou em seis meses, com as taxas atingindo os maiores patamares de sua história (11,9%).


Atualmente, as projeções já apresentam crescimento do PIB, com uma taxa de desemprego de 3%; dados de consumo, investimento, exportação e dados como a dívida pública, inflação extremamente positivos e demonstrando a recuperação de sua economia. O programa de empréstimos com o FMI, que também incluía a adoção de algumas políticas se encerrou 2011 – apenas três anos após o estopim da crise-, quando o Governo da Islândia pagou seus empréstimos.


Após a adoção de medidas “não convencionais” poucos economistas acreditavam numa recuperação, principalmente na rapidez com que se demonstrou. Mas antes de ver o “milagre” econômico, precisamos entender o que levou esse pequeno país a uma queda gigante.

A Islândia, que possui uma população de 320 mil habitantes e sempre teve sua economia ligada à pesca e alumínio, mudou em poucos anos sua estrutura interna e sofreu mais tarde suas consequências. Em pouco tempo, novos empreendimentos imobiliários surgiram, o comércio aumentou, o setor de serviços cresceu e, principalmente, os bancos cresceram.

Todo esse ânimo e boom econômico foi resultado da liberalização de seu setor bancário para os capitais externos em meados do anos 90 e a desregulamentação do início dos anos 2000. Esse processo de abertura financeira levou bilhões de dólares para os bancos islandeses. Para ser mais exato, 120 Bilhões de dólares foram transferidos para os três principais bancos: Kaupthing, Glitnir e Landsbanki. Esse valor era DEZ VEZES maior que o PIB islandês. A moeda local, krona, passou a ser uma das moedas mais negociadas no mercado internacional, com um aumento de 900% de 1994 a 2008. Em poucos anos, essa pequena ilha se tornou um grande polo financeiro, com investidores internacionais investindo pesadamente nesse país.


Entre os vários fatores causadores da crise, como o processo de desregulamentação bancária e liberalização financeira, podemos destacar duas práticas viciosas. A primeira delas, foi o uso a constante expansão monetária na economia, tornando a economia cada vez mais líquida e movimentada. Um dos setores mais influenciados por esse movimento foi o setor hipotecário/imobiliário. O Fundo de Financiamento Imobiliário (HFF) praticou taxas de juros extremamente baixas e atraentes aos olhos da população. Para ilustração, em 2004, 90% das famílias islandesas possuíam um empréstimo da HHF, sendo que os títulos da HHF dominavam mais da metade do mercado de títulos domésticos da Islândia.

O outro fator determinante na enorme alavancagem e talvez o principal determinante do colapso econômico, foram as práticas excessivas de maturação descompassada do setor bancário, que normalmente gera lucros extraordinários. A maturação descompassada se trata de lucrar com o “spread” entre as taxas de juros de curto prazo e às de longo prazo. Normalmente as taxas de juros de longo prazo são maiores que as de curto prazo, e a diferença gera o lucro dos bancos nesta prática. No entanto, as dívidas de curto prazo requerem reinvestimentos contínuos - o que torna essa prática muito arriscada.


Como os fundos domésticos que possibilitavam a prática lucrativa da maturação descompassada eram limitados - afinal, a economia islandesa é pequena -, os bancos passaram a procurar fundos em outras economias.

Assim, os bancos islandeses saíram em busca de fundos estrangeiros de curto prazo para investi-los a longo prazo, tanto doméstica quanto internacionalmente. Isso se tornou ainda mais interessante quando se considera que as taxas de juros da Islândia eram maiores do que as taxas praticadas pelos bancos centrais estrangeiros, que haviam adotado políticas monetárias ainda mais frouxas. Em outras palavras, milhares de bancos e instituições financeiras japoneses, americanas, holandesas e inglesas passaram a depositar dinheiro em bancos islandeses.

Por fim, a Islândia, que antes possuía uma indústria pesqueira e um setor de minério extremamente ativo, passou a preterir essas e outras atividades reais para uma concentração e expansão das atividades financeiras e bancárias.

"Creio ser mais fácil pegar alguém na indústria de pesca e ensinar a ele questões cambiais, do que pegar alguém da indústria bancária e ensinar a ele como pescar" (Lewis 2009).

O problema fundamental com a maturação descompassada é que a real poupança disponível foi insuficiente para financiar o término de todos os projetos que começaram a ser empreendidos. No caso islandês, os bancos tomaram empréstimos, principalmente em mercados internacionais, via empréstimos interbancários de curto prazo, acordos de recompra, papéis comerciais lastreados em ativos entre outros, para financiar investimentos de longo prazo, como, as hipotecas residenciais e, principalmente, nas indústrias de alumínio e construção. Outro problema foi a retirada de recursos de indústrias de bens de consumos para o setor financeiro, tornando a Islândia uma nação exportadora de serviços financeiros e importadora de bens.

Em 2008, com o colapso do mercado financeiro norte americano e crise financeira internacional, os empréstimos de curto prazo secaram, e as dívidas de longo prazo que se acumularam com o passar dos anos, já não tinham o lastro necessário. A Islândia com total alavancagem e dependência de seu setor financeiro, acabou tendo sua economia levada ladeira abaixo, e deixando sua população com uma dívida bem superior à suas riquezas.

Guilherme Motta de Andrade e Mael Camile Passanesi, estudantes de Economia na UFRJ.



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