Por Paulo Victor Gonçalves Pinto
Você já pensou em ser capaz de negociar ações do seu clube do coração? ou até comprar debêntures do seu time para ajudar a financiar a reforma de seu estádio? Pode parecer algo muito distante de nossa realidade, mas é assim que funciona com diversos clubes em todo o mundo. Times como Barcelona, Juventus, Liverpool, Bayern de Munique e Real Madrid são alguns dos 23 times que compõem o STOXX Europe Football Index, o índice da bolsa Dow Jones composto pelos clubes europeus com ações nas bolsas de valores. Entretanto, essa união entre o mercado financeiro e futebol é bastante recente e pouco difundida em alguns lugares, como no Brasil.
Foi pensando nessas histórias que damos origem a série ‘Mercado da Bola’. Ao longo de diversos textos iremos abordar a história e a estrutura das principais ligas futebolísticas com clubes listados na bolsa de valores e assim buscar entender por que tal modelo ainda não vingou no cenário nacional e como ele poderia ser adotado.
Tottenham Hotspur: O primeiro
Vamos começar pela origem, assim como o futebol surgiu na inglaterra em meados do século XIX, foi também lá onde surgiram os primeiros clubes de capital aberto. no ano de 1898, o clube Tottenham Hotspur se tornou uma empresa de capital limitado. Para arrecadar fundos, o clube vendeu 8.000 ações do clube ao valor de 1 libra cada, no entanto, apenas 1,558 ações foram vendidas no primeiro ano. Durante muito tempo o clube foi comandado por membros da Família Wale, que eram os maiores shareholders da empresa.
Até que no ano de 1982, o investidor Irving Scholar comprou 25% da empresa pelo valor de 600,000 libras, Scholar usou seu poder de voto na empresa para abrir o capital da empresa e então, em 1983, o Tottenham Hotspurs se tornou o primeiro clube do mundo a ter sua ações negociadas em uma bolsa de valores, cerca de 3.8 milhões de ações foram vendidas em seu IPO. No entanto, foi com o IPO do grande Manchester United, arrecadando cerca de 6.7 milhões de libras, que o futebol deslanchou nas bolsas de valores. Em 2004, as bolsas de valores britânicas contavam com as ações de 19 clubes ingleses.
As Consequências para a liga inglesa
O pioneirismo inglês ajudou a trazer muito mais investimentos não só aos clubes, mas como para toda a liga inglesa. Atualmente o campeonato inglês é o mais valioso do mundo, com médias de público da segunda divisão maiores do que inclusive o campeonato brasileiro. O próprio Manchester United, que voltou a ser uma limitada em 2005, re-abriu o seu capital em 2012, agora na bolsa de valores de Nova York, o clube, na época, alcançou o valor de mercado de 2.3 bilhões de libras, tornando-se o clube mais valioso do mundo. A possibilidade de distribuição de lucro atraiu grandes investidores internacionais a clubes ingleses, como é o caso do russo Roman Abramovich, dono do londrino Chelsea, e Mansour bin Zayed Al Nahyman, filho do emir de Abu Dhabi e dono do Manchester City.
Com a possibilidade de investimento em diversos clubes, o equilíbrio financeiro entre os principais times também aumentou. Esse equilíbrio também permitiu com que a liga inglesa tivesse um equilíbrio também no gramado, atualmente, a Inglaterra é o campeonato mais competitivo de todo o mundo, não há o domínio apenas de um ou dois clubes que ganham o campeonato todo ano, como é por exemplo na liga espanhola com os poderosos Barcelona e Real Madrid, essa alta competitividade atrai também os espectadores de todo o mundo. Segundo dados da EY, cerca de 720 milhões de casas assistiram a temporada 2014/2015 do campeonato inglês em 185 países.
O modelo de gestão corporativa também permite aos clubes terem mais transparência e vigilância em relação aos seus gastos, incentivando sempre os clubes a manterem um financeiro equilibrado e próspero. Além disso, a venda de ações atrai também torcedores dos diversos clubes ao mercado financeiro, ao comprar as ações, os torcedores podiam se dizer proprietários de seu clube de coração, além de poder participar de decisões importantes e da distribuição de lucros ao clube. Isso gera um maior engajamento e aproximação entre o clube e seus torcedores, tornando-os mais fiéis, mas nem sempre essa relação termina tão feliz
Nem Tudo São Flores
No ano de 2018, torcedores-proprietários do Arsenal foram obrigados a vender suas ações do clube ao bilionário americano Stan Kroenke por conta da força de seu poder de voto dentro do clube, que já era de 92,89%. As ações foram vendidas pelo valor de 29,419.64 libras, mas para muitos dos 732 torcedores que detinham tais ações, eles não viam a ação como um investimento financeiro, mas por um valor emocional com o time de coração, mesmo com o retorno financeiro, muitos torcedores ficaram insatisfeitos em vender suas ações.
Conclusão
O caso inglês nos permite analisar um exemplo bastante positivo entre o futebol e o mercado financeiro. Há diversos outros casos diferentes ao longo das principais ligas mundiais, como Portugal, Chile e Estados Unidos. Todos esses casos serão vistos ao longo dessa série de textos 'Mercado da Bola’, as principais histórias e implicações que o mercado financeiro pode ter e como ele pode ajudar a fazer um gol de placa quando o assunto é promover o esporte.
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