Por Paulo Victor Gonçalves Pinto
Quando se fala de futebol nos Estados Unidos, até pouco tempo atrás muitas pessoas falariam apenas do esporte jogado com a bola oval, onde dois times buscam, em um jogo de bastante estratégia e contato, alcançar o final do campo adversário. O esporte mais popular do mundo, ironicamente, nunca foi tão popular na maior economia do mundo. No entanto, o “soccer” como é chamado tem ganhado nos últimos anos um enorme espaço no mercado esportivo americano, tudo isso graças a ótima gestão corporativa que a principal liga futebolística do país, a Major League Soccer (MLS), foi capaz de realizar e conquistar o coração dos americanos, feito esse que nem o Rei Pelé foi capaz de realizar a 40 anos.
O futebol nos Estados Unidos possui um passado muito recente. No ano de 1975, A chegada do craque Pelé ao New York Cosmos fez voltar as atenções do público esportivo para os Estados Unidos. O craque já estava em seu fim de carreira, tinha 34 anos e não jogava há oito meses, mas foi o suficiente para gerar uma febre nacional. Junto de Pele, outros craques foram jogar no New York Cosmos, como os brasileiros Carlos Alberto Torres e Oscar, o alemão Franz Beckenbauer e o holandês Johan Cruyff.
Outros clubes americanos surfaram na fama do time nova iorquino e trouxeram outros craques do futebol mundial para jogar nos Estados Unidos. No entanto, o que poderia ser visto como uma potencial popularização do esporte não passou de uma moda passageira. com a saída do pelé em 1977, o futebol estadunidense entrou em declínio, a liga de futebol nacional, NASL, foi cancelada em 1984. Com exceção do público feminino (onde o futebol se popularizou, tornando-se a principal seleção de futebol feminino no mundo com 3 títulos de copa do mundo e 4 medalhas olímpicas) o futebol masculino viveu décadas de esquecimento para o público americano.
Isso tudo mudou em 1996, dois anos depois que os Estados Unidos sediaram a Copa do Mundo, a Major League Soccer foi criada. O esporte logo alcançou popularidade entre os latino-americanos, tradicionais amantes do futebol, mas ainda era necessário conquistar o coração do público americano.
A Organização da MLS
Assim como em outros esportes americanos porém diferente de qualquer liga de futebol, a MLS assume o status de uma empresa, sua gestão é liderada por um CEO e um grupo de executivos profissionais e os donos dos clubes são os sócios da liga. Qualquer novo clube queira entrar para a MLS precisa apresentar um modelo de negócios promissor e bem estruturado para convencer os sócios a aprovarem a sua entrada. Desde 1999, com a chegada do atual CEO Don Graber, o número de times participantes da MLS saltou de 10 para 23 equipes.
Esse modelo de gestão compartilhada entre os times permite com que o campeonato tenha um maior equilíbrio financeiro entre os clubes. Todos os clubes recebem o valor igual nos contratos de televisão, possuem teto salarial e prezam sempre pela sustentabilidade financeira do negócio. Esse equilíbrio financeiro permite que haja o equilíbrio dentro de campo, o que atrai o público para os jogos. Ligas que possuem a hegemonia de um ou dois clubes que ganham os campeonatos nacionais todo ano, tendem a ser menos populares pela falta de competitividade, mesmo que os dois clubes hegemônicos sejam os gigantes Barcelona e Real Madrid, por exemplo.
O modelo de gestão profissional inédito no futebol atrai cada vez mais investidores esportivos para os Estados Unidos. Em 2014, Flávio Augusto, brasileiro fundador da Wise Up, comprou o clube de futebol Orlando City por cerca de 200 milhões de reais. Em março de 2018, Flávio vendeu 8,63% do clube para um fundo de investimento canadense também por 200 milhões de reais, fazendo o clube ter um valuation de cerca de 1.63 bilhões de reais, tendo uma valoração de mais de 8 vezes em 4 anos. Apesar de o clube ter um grande valor de mercado, o Orlando City nunca foi campeão de nada, o que não impede que ele tenha conseguido sucesso financeiro e popularidade entre os americanos.
Como a MLS é uma empresa, ela não possui o monopólio do mercado, dessa forma outras ligas concorrem com ela em território nacional, é o caso por exemplo da USL, United Soccer League, liga em que o próprio Orlando City disputou 3 temporadas antes de ser comprado pelo empresário brasileiro. Apesar da USL ser bem menor, essa concorrência permite com que a MLS nunca se acomode no mercado, e busque sempre estar inovando e melhorando sua estrutura para nunca perder popularidade para outras ligas, esse tipo de incentivo não existe aqui no Brasil por exemplo, que demonstra um campeonato bastante defasado em relação a outras ligas mundiais.
A Cultura Futebolística Americana
Nem só de uma boa gestão vive uma liga de futebol, é preciso conquistar a popularidade de seu público alvo. Com isso, durante as últimas décadas, a MLS vem realizando um trabalho de longo prazo para conseguir atrair o público norte-americano aos estádios de futebol. Um fator importante que permitiu a liga se popularizar é a identidade dos times com as suas comunidades locais. Novamente citando o caso do Orlando City, o time permitiu com que os moradores da cidade de Orlando tivessem uma identidade além de ser a cidade dos grandes parques temáticos da Disney e Universal dentre outros, essa construção de identidade se deu pela estratégia de marketing entre os parceiros e patrocinadores com o time, além do patrocínio de empresas locais da cidade como o plano de saúde Orlando Health, mercados da cidade utilizam a camisa roxa, cor do Orlando City, em dias de jogo. Essa estratégia permitiu com que os moradores de Orlando rapidamente simpatizassem com o time.
Com exceção de grandes cidades, como Nova York e Los Angeles, outras cidades costumam ter somente um clube na MLS, isso permite duas coisas muito importante, a primeira é que os clubes conseguem ter a atenção e popularidade da cidade como um todo, gerando uma maior identificação com o público, a segunda é que pelo fato de haver somente um clube por cidade, há pouca rivalidade entre os clubes da liga, o que permite com que os jogos sempre sejam locais familiares e amigáveis ao público, diferente das zonas de guerra entre torcidas organizadas de times rivais que, infelizmente, às vezes se torna os estádios brasileiros.
Os clubes também buscam valorizar a cultura local e se tornarem parte delas. Nas grandes metrópoles americanas, como Los Angeles ou Miami, há uma parcela enorme de imigrantes de todo o mundo, principalmente latino-americanos. Por terem uma cultura distinta dos nativos americanos, os imigrantes tendem a não se familiarizarem tanto com os esportes tradicionais como basquete, baseball, futebol americano ou hóquei. o Futebol passa então a se tornar a principal atração esportiva desses imigrantes, e os clubes reconhecem o perfil de seus espectadores. Foi pensando nesse multiculturalismo internacional que o ex-LA Galaxy, David Beckham, decidiu criar o Club Internacional de Futból Miami, que irá estrear na MLS em 2020. Segundo o próprio Beckham, "o Clube simboliza a herança da nossa cidade, a ambição de nosso povo e solidariedade de nossa comunidade". O fato do nome do time americano estar em espanhol não é mera coincidência, a MLS torna-se mais do que simplesmente um esporte, mas o reflexo da cultura global dentro da metrópole americana.
Outro fator importante que permitiu a popularidade do futebol em terras americanas foi a contratação de jogadores populares mundialmente. Chamando atenção em todo o mundo do futebol por sua organização, bons salários e, principalmente, pela qualidade de vida oferecida em boa parte das cidades americanas, Jogadores populares em fim de carreira escolheram ao longo dos anos o Estados Unidos como a última parada de suas carreiras futebolísticas, foi o caso de craques como Thierry Henry, David Beckham, Didier Drogba, Kaká, Pirlo e até a Marta. Esses jogadores são o trunfo para a popularização da liga, pois atraem o público americano e permite os times aumentarem a sua renda explorando a imagem de seus jogadores, e como os clubes são societários um do outro, a venda de camisas do craque do LA Galaxy Zlatan Ibrahimovic, por exemplo, torna-se lucro para todos os outros times, isso faz com que nenhum clube se torne grande demais em relação aos outros, mantendo o equilíbrio de forças da liga.
MLS: A Liga Campeã
Todos os fatores envolvidos na excelente gestão corporativa fazem a MLS dar de 10 a 0 em qualquer liga esportiva mundial. A perspectiva é que o cenário americano ainda cresça até 2026, ano em que os Estados Unidos, Canadá e México irão sediar, juntos a Copa do Mundo. Os investimentos no passado permitiram construir uma liga bastante estruturada e harmônica, que mescla estabilidade financeira com espetáculo em campo. Os resultados refletem no engajamento, em 2014, enquanto que a média de público do campeonato brasileiro era de 12 mil pessoas por jogo, o campeonato americano já alcançava a marca de 18 mil torcedores por jogo, hoje em dia, a média de público é a terceira maior do mundo, atrás apenas de Inglaterra e Alemanha.
Todos esses e muitos outros fatores fazem da MLS uma verdadeira campeã quando se trata de organização e visão de longo prazo. Quem sabe um dia o futebol jogado com os pés se torne tão popular e bem sucedido nos Estados Unidos como o futebol jogado com a bola oval.
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