Por Paulo Victor Gonçalves Pinto
O futebol nacional está longe dos seus dias de glória. Tanto no aspecto técnico do esporte, quanto no aspecto administrativo, os clubes brasileiros andam mal das pernas. No ano de 2017, grandes equipes como Fluminense, Internacional e Corinthians encabeçaram o ranking de maiores prejuízos anuais, chegando a 79,4 milhões de reais [1]. Fluminense e Internacional também estão no top 3 de times com maiores dívidas, apesar do Botafogo ser o maior endividado com cerca de 720 milhões de reais em dívida [2]. A situação administrativa dos clubes poderia ter tido uma virada de jogo há 21 anos, no entanto, diversos trâmites políticos impediram que um projeto de lei conseguisse ser passado corretamente e transformado a governança dos clubes brasileiros em uma administração voltada para o mercado.
No ano de 1998, o Ministro do Esporte do governo de FHC, o Rei Pelé, tinha conseguido um feito que o próprio julgou como ‘O gol mais importante de sua vida’. A denominada Lei Pelé, trazia diversas mudanças ao modelo de gestão dos clubes brasileiros, a lei forçaria os clubes a deixarem de serem organizações sociais sem fins lucrativos e se tornarem empresas. Todos tinham 24 meses, contados a partir de 12 de fevereiro de 1998, para realizarem a mudança e se tornarem sociedades anônimas. No entanto, muita bola rolou desde a aprovação da Lei Pelé no Congresso, e até hoje os clubes ainda mantém o status de organizações sociais. Apesar disso, no ano de 2017, o Figueirense se tornou o primeiro clube da história do Brasil a adotar o modelo de AS em sua gestão, e vem colhendo bons frutos de seu trabalho.
Figueirense: O Pioneiro Brasileiro
Em meados do ano de 2017, o então presidente do Figueirense, Claudio Vernalha, decidiu abrir o capital do time para um grupo de investimentos, a Holding Investimentos. O Clube já tinha o status de empresa de capital fechado antes, a gestão era de uma associação que detinha 99% do clube e quem mandava nessa associação era o presidente do clube no momento, ou seja, toda a administração continuava nas mãos do Figueirense, mas sua estrutura já havia mudado para um modelo de empresa com fins lucrativos. Vernalha viu nisso uma oportunidade par expandir o negócio, e apresentou uma proposta de concessão de 20 anos, renováveis por mais 15, para ter direito sobre a administração do Figueira.
A Holding Investimentos passou então a deter 95% do capital do clube, o clube terá os 5% restantes e poderá eleger o seu presidente e o Conselho Deliberativo. Mas não terá poder de decisão. Apenas fiscalizará as ações dos novos gestores. O clube então passou por um grande processo de reestruturação interna, com troca de diretores e dirigentes, o Figueirense assumiu uma postura de gestão profissional. Segundo o próprio Vernalha, o projeto principal não é a negociação de jogadores, mas sim fortalecer a marca e o clube a fim de, no futuro, os ativos se valorize no mercado.
Sem dúvidas, investir em clubes de futebol é um negócio bastante arriscado, como já vimos no capítulo 3 dessa série: ‘Cristiano Ronaldo e Os Riscos de Se Investir em Clubes de Futebol’. No entanto, o modelo do Figueirense, apesar de ser bastante recente, tem ganhado destaque no mercado futebolístico. Diferentemente do que ocorre em clubes com status de organização social, que elegem um presidente diferente a cada período de tempo, o modelo de gestão empresarial permite que se tenha um pensamento mais de longo prazo em relação à administração do clube. Isso é bom também para os investidores e patrocinadores, que podem ter mais segurança em se relacionarem com o clube sabendo que daqui há dois anos não entrará um novo presidente da oposição que irá acabar com todos os contratos anteriormente prestado.
Além disso, o fato dos investidores estarem investindo seu próprio dinheiro no time, faz com que eles busquem sempre realizar uma gestão lucrativa, e isso implica em melhorar os aspectos estruturais do clube. É muito comum times brasileiros venderem novas promessas de seus clubes à times estrangeiros ainda muito jovens, pois esse modelo de negócio é extremamente lucrativo a presidente e diretores executivos, individualmente, mas certamente não é benéfico para o clube, que perde bons jogadores muito recentes e com baixo valor de mercado, nem muitas das vezes para o jogador, que vai jogar em um campeonato com maior qualidade técnica sem ainda estar desenvolvido e acaba caindo no ostracismo. Esse modelo de gestão é alterado, o clube passa a se tornar o ativo mais importante para a sua valorização, e tudo isso implica em melhorar a estrutura organizacional, aumentar a qualidade técnica do clube e manter uma boa relação com a torcida.
Conclusão
Pelé não conseguiu transformar os clubes em empresas, o resultado é visto 21 anos depois. Gestão amadora sem ser voltada ao lucro faz com que muitos clubes acumulem imensas dívidas, com baixo nível de dinheiro em caixa e, com isso, a qualidade técnica de nosso futebol vem caindo a cada ano. Felizmente, novos projetos de lei que buscam incentivar os clubes a se tornarem empresas, desta vez de forma mais voluntária do que a mudança obrigatória da antiga Lei Pele, permeiam o Congresso nos últimos anos, inspirado no modelo adotado em países como Chile ou Portugal (para ver como é o modelo nesses países, veja os capítulos sobre em nossa série). O Figueirense conseguiu, através da adoção de um modelo de mercado, equilibrar suas contas e ganhar destaque internacional pelo modelo inédito em território brasileiro. Quem sabe o caso de sucesso do Alvinegro Catarinense não inspire os clubes a mudarem seus modelos, sanarem suas dívidas e retomar ao futebol nacional a sua época de glória.
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