Por Luiza Marcheni
Em meio ao cenário de pandemia do novo coronavírus – com paralisações na indústria e no comércio, pessoas físicas e empresas tendo suas rendas praticamente zeradas e filas de enfermos acometidos com a COVID-19 à espera de assistência - olhar o noticiário de manhã pode ser uma experiência intensa. Isso porque os meios jornalísticos nos proporcionam uma pluralidade de sentimentos, estimulados pelas informações, sejam elas de cunho negativo ou positivo, lançadas a todo momento.
Dessa maneira, são divulgados dados sobre o aumento de casos e mortes, a quantidade de empresas que faliram com a crise, a dificuldade da população marginalizada em ter acesso aos auxílios emergenciais e sobre o desemprego. Ao mesmo tempo, trazem informações que testes de uma futura vacina estão progredindo em laboratórios ao redor do globo, ou até que alguns setores e empresas tiveram resultados melhores do que os esperados.
Tentar fazer um paralelo entre tais acontecimentos e o comportamento dos preços das ações e das Bolsas de Valores pelo mundo pode gerar certas confusões e questionamentos, como: se estamos em meio a uma crise econômica, sanitária e social, com empresas auferindo prejuízos ou falindo, pessoas passando fome, como pode a Bolsa de Valores brasileira ter recuperado seus mais de 100 mil pontos em julho? E se o Ibovespa não tem refletido a situação real da economia hoje, por que ocorreu a queda brusca nos preços das ações e das bolsas -inclusive da B3 - em todo o mundo no mês de março, quando o número de casos ainda era menor que 5 mil? Por que existem reações tão diferentes frente a uma situação que, na prática, piorou?
Uma explicação para tais questionamentos está no entendimento de que a bolsa reflete as expectativas de mercado e não necessariamente a situação corrente. Nesse sentido, se as perspectivas futuras para determinada empresa são otimistas, a demanda dos investidores por suas ações aumentará e, como a oferta é restrita, os preços serão impactados, valorizando os papéis. Da mesma forma, se as informações disponíveis proporcionam à massa de acionistas a interpretação de um futuro mais incerto ou negativo, a demanda por ações será reduzida e, ao passo que a quantidade ofertada aumenta, ela puxa consigo os preços para baixo.
Embora ela seja uma simplificação da complexidade do mercado acionário, a explicação acima nos permite visualizar a relação entre as notícias e as bolsas de valores. Como aplicação prática de tal conceito, temos o exemplo da alta de mais de 8% da SABESP, no dia 15 de julho, após a sanção no Novo Marco do Saneamento pelo presidente Jair Bolsonaro. A Sabesp é uma empresa brasileira que detém a concessão dos serviços públicos de saneamento básico no Estado de São Paulo e o Novo Marco traz pontos que devem modernizar o saneamento básico no país, além de impulsionar os investimentos privados no setor. Assim, somando essa sanção ao fato de que o estado de São Paulo tem demonstrado uma grande possibilidade de privatização da empresa, as expectativas acerca dos futuros lucros da companhia aumentaram e, com isso, já no dia 15, o preço dos papéis tiverem um aumento abrupto.
Desse modo, a confusão advinda da relação entre a pluralidade de informações e suas diferentes reações na Bolsa começa a ser desfeita, ao assimilarmos que as expectativas de março e as atuais, por exemplo, são diferentes e podem mudar a todo instante. Entre os meses de fevereiro e março, o mundo começou a entender que a epidemia do COVID-19 ultrapassaria as fronteiras chinesas para ter dimensões mundiais. Ainda nesse período, quando pairavam dúvidas sobre a gravidade e a transmissibilidade da doença, os diversos agentes econômicos operavam com alto grau de incerteza. Incertezas sobre a paralisação das atividades econômicas, sobre os possíveis tratamentos e vacinas e, principalmente, sobre os efeitos da pandemia nas economias ao redor do globo, nos setores e nas empresas.
Sob um contexto impreciso como tal e um futuro nebuloso, o Ibovespa acumulou uma queda de 29,9% em março, chegando aos 73.019 pontos. Não obstante, com o gradual acontecimento de fatos que, antes, eram somente especulação, o mercado conseguiu “digerir” e assim compreender melhor as circunstâncias vigentes. Desta forma, ao menor sinal de recuperação – ou resultados melhores do que os projetados –, as expectativas dos investidores aumentavam, culminando, em última instância, no retorno gradual da pontuação da Bolsa aos patamares anteriores.
Finalmente, ao entendermos que notícias e fatos geram expectativas e que estas pautam as oscilações da Bolsa, entende-se a lógica de alguns cenários: o progresso de testes e o adiantamento das fases de uma nova vacina para a COVID-19 sugerem que a recuperação da economia e a retomada das atividades estão mais próximas – afetando positivamente a Bolsa. Por sua vez, conflitos entre países que atuam nas criação, produção e testagem dessas vacinas, como as recentes tensões entre Estados Unidos e China, acarretam ainda mais preocupação e incerteza – o que impacta, também, nos preços de mercado.
Porém, é importante ressaltar que situações como: empresas com fundamentos fracos valorizarem-se subitamente por conta de uma notícia, e outras empresas, de fundamentos fortes, serem subvalorizadas pelo mesmo motivo, podem acontecer. Analogamente, é possível que o principal índice da Bolsa esteja operando com uma pontuação alta e a economia de seu país apresente indicadores péssimos acerca do desemprego e da falência de pequenos e médios negócios. Portanto, ainda que seja importante estar atento às novidades, principalmente as que podem alterar o curso das atividades econômicas e sociais, é preciso não confundir o cenário desenhado pela Bolsa e o cenário desenhado pela economia real.
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