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O quantitative easing e a deflação no Japão

Autor: Francisco Diogo Albuquerque


Quando se fala em política monetária é comum pensar nos instrumentos que a literatura econômica chama de “convencional”, isto é, as clássicas operações de mercado aberto, o depósito compulsório e as taxas de redesconto. Contudo, outra forma de conduzir a política monetária é por meio do quantitative easing (“flexibilização quantitativa”, em uma tradução para o português), considerada uma política não convencional que tem ganhado relevância desde a virada do século.

O quantitative easing, a princípio, pode ser compreendido como uma operação de mercado aberto, todavia, não se limita às compras de títulos públicos como feito de modo usual, mas sim abrange uma série de outros ativos financeiros, tanto públicos quanto privados. Portanto, é essencialmente uma política monetária estimulativa, que objetiva elevar a oferta de moeda, estimulando os investimentos e minimizando os efeitos de uma recessão. Contudo, não demora muito para surgir questionamentos acerca da capacidade inflacionária de tal método de condução da política monetária. Porém, a consequente inflação que se origina do quantitative easing pode ser, na verdade, o objetivo a ser alcançado.

Em julho de 1997 se desencadeou na Ásia uma das maiores crises financeiras da economia global, originada pela adoção de um regime cambial flutuante da Tailândia. O acontecimento levou a uma forte desvalorização das moedas do sudoeste asiático e do Japão, que viria a sofrer uma forte recessão econômica. Dessa forma, a fim de minimizar os efeitos da crise, o Bank of Japan, banco central do país, adotou o quantitative easing para estimular o consumo privado e contornar o cenário deflacionário que se desenhava no país. Para isso, deixou de lado as convencionais compras de títulos públicos e passou a comprar títulos privados e até mesmo ações na Bolsa de Valores de Tóquio – mesmo assim, percebe-se o ínfimo efeito no Nikkei.



Todavia, o episódio não foi o último em que o Bank of Japan viria a travar uma batalha com a deflação. Afinal, em 2013 as taxas de inflação medidas pelo CPI (Consumer Price Index) no país nipônico eram semelhantes às de 1993, isto é, próximas a zero – mesmo levando em consideração seus altos e baixos no período. Foi então, por meio da promessa de pôr um fim à baixa inflação japonesa – vista como um empecilho ao desenvolvimento econômico – que o banco central do país adotou (i) o regime de metas de inflação de 2%, assim como o Federal Reserve, dos Estados Unidos, e o próprio Banco Central do Brasil; e (ii) a continuidade do quantitative easing, que seria o motor para alcançar a meta. Assim sendo, o Bank of Japan iniciou compras colossais de ativos, aumentando fortemente a oferta de moeda na economia japonesa – uma postura altamente inflacionária. Contudo, um evento curioso se fez presente na economia japonesa após a adoção de tais medidas: a inflação se manteve estável. Isto é, o quantitative easing parece ter feito pouco ou quase nenhum impacto sobre a inflação do Japão. E é aqui que entra o poder das expectativas já debatido por inúmeros economistas ao longo da construção da literatura, inclusive John Maynard Keynes. De acordo com a teoria econômica, mesmo que ocorra expansões volumosas na base monetária de uma determinada economia, a inflação pode se manter estável caso os agentes econômicos entendam que a causa para essas expansões – no caso desta discussão a causa é o quantitative easing – logo terá um fim. Isto é, tornando a discussão mais clara: as expectativas das pessoas apontavam para uma inflação semelhante à vivida até então, desse modo, não houve alterações no consumo.



Podemos elencar como um dos motivos para o relutante crescimento da inflação japonesa o histórico extenso de intervenções monetárias na economia. Afinal, o banco amplia, de forma intensiva, sua base monetária a fim de estimular novos investimentos e contornar suas baixíssimas taxas de crescimento. Casos onde o Bank of Japan injetou liquidez na economia são fáceis de encontrar: entre 2001 e 2004, por exemplo, o banco destinou 35,5 trilhões de ienes aos bancos japoneses, além de comprar títulos públicos de longo prazo para estimular a economia estagnada. Contudo, tais intervenções monetária sem sucesso do ponto de vista estimulativo apenas solidifica as expectativas deflacionárias dos agentes econômicos, levando à manutenção do atual padrão de consumo e aos mesmos níveis de preços (repare na série da inflação no gráfico acima, com inúmeros registros de deflação).

Embora os casos e efeitos do quantitative easing no Japão sejam inusuais e, portanto, interessantes de serem abordados, o país não se destaca como o único a utilizar dessa política monetária não convencional. Outros casos na história econômica merecem sua devida atenção, como o da Suíça. Após a crise financeira dos subprimes em 2008, o Swiss National Bank utilizou do quantitative easing para atenuar as consequências negativas da crise. O caso suíço é relevante pois foi a maior flexibilização quantitativa em proporção ao PIB (Produto Interno Bruto) de um país. Contudo, mesmo levando à taxa de juros para níveis inferiores a zero, o programa não foi suficiente para atingir a meta de inflação do país. Além disso, outro caso digno de destaque é o inglês que, em 2016, adotou o quantitative easing para ajudar a contornar quaisquer complicações econômicas que a Inglaterra viesse a sofrer com o Brexit – a saída do país da União Europeia. Dessa forma, o Bank of England traçou um plano de compra de títulos públicos e dívidas corporativas a fim de evitar a elevação das taxas de juros no país e também estimular o investimento e a criação de empregos. Entretanto, o uso do quantitative easing pelo banco inglês não se compara ao uso contra a crise pandêmica de 2020.



Conclui-se que, o quantitative easing se tornou uma forma comum de fazer política monetária em momentos em que há necessidade de fortes estímulos à atividade econômica (i.e. em grandes recessões). Além disso, no caso particular do Japão, podemos evidenciar a utilização da política monetária não convencional não somente para estimular a atividade mas também para causar choques inflacionários, dado o contínuo flerte com a deflação do país nipônico.


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