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O Xadrez Europeu: Rússia e Bielorrússia

Atualizado: 21 de nov. de 2020

“O sistema internacional condena cada Estado a uma contínua luta pelo poder, porque cada um deles se vê em dilema grave de segurança. As nações buscam o poder, não porque a sua maximização seja seu objetivo. Procuram-no porque desejam resguardar a segurança de seus ‘valores básicos’, sua integridade territorial e sua independência política. Assim, cada Estado vê o outro como irmão, por assim dizer, mas como um potencial Caim.”

- WENDZEL, Robert L.


O Xadrez Europeu: Rússia e Bielorrússia

por Bianca Dominic e Gabriel Coelho


Tensões crescentes na Bielorrússia vêm acontecendo nas últimas semanas envolvendo diferentes players geopolíticos e protestos populares. Porém, para entender tal cenário e como esse evento se desenvolveu, é preciso olhar para a história e suas consequências.


Era junho de 1812 quando Napoleão lançou a campanha da Rússia. O objetivo era forçar o país a um tratado de paz que impedisse qualquer furo do bloqueio continental ao Reino Unido. A Grand Armée era, na época, a maior força militar no continente, contando com 685 mil homens, que enfrentariam 488 mil da Rússia. Apesar da vantagem numérica em pessoal e equipamento, o imperador francês viu seu orgulhoso exército ser dizimado por erros logísticos e estratégicos, além das táticas de terra arrasadas e de um recuo mal conduzido. A vitória russa, no entanto, não foi fácil: os franceses tomaram cidades chave, como Smolensk e Moscou, mas perderam 600 mil vidas, contra 400 mil perdas dos defensores.


Exatos 129 anos depois, a história se repetiu e a Rússia foi invadida novamente pelo maior exército visto até aquele ponto: a Alemanha Nazista. Embora não tenham tomado a capital, os alemães sustentaram um front muito mais amplo graças aos avanços nas tecnologias de guerra. Caíram cidades importantíssimas, como Smolensk e Leningrado (São Petersburgo), com os alemães chegando a 30 quilômetros de Moscou. O resultado foi o mesmo: a antes gigante força militar saiu da União Soviética dizimada, por problemas também logísticos e, principalmente, estratégicos. A perda humana para os defensores foi, porém, bem maior, com estimativas em 10 milhões de mortos e 5,7 milhões de capturados.


Ambos os conflitos, somados à outros, como a Primeira Guerra Mundial, ajudaram a moldar a estratégia geopolítica russa: colocar o máximo de espaço entre o próprio território e as potências europeias vigentes. Inicialmente, o país foi bem sucedido na Conferência de Yalta, em 1945, ao conseguir englobar todo o leste europeu e a maioria dos Bálcãs sob a Cortina de Ferro e o Pacto de Varsóvia, tornando qualquer invasão da OTAN pela Europa um pesadelo logístico.


Entretanto, após a dissolução da União Soviética em 1991, parte significativa do antes bloco comunista europeu caiu sob a zona de influência do Ocidente e, inclusive, alguns se tornaram membros da OTAN, como foi o caso dos países bálticos e da Polônia e Romênia, por exemplo.


Como consequência, o Ocidente, que antes tinha as tropas limitadas geograficamente à Alemanha Ocidental, hoje as tem postas na fronteira com os bálticos e na fronteira polonesa com a Bielorrússia. Isso reduziu drasticamente a capacidade russa de projeção de poder no continente europeu e deixou o país mais vulnerável a ataques do oeste, mesmo que ainda seja uma possibilidade remota.





Em meio a esse contexto, as eleições bielorrussas desse ano chegaram aos holofotes mundiais. A princípio, Aleksandr Lukashenko chegou ao poder em 1994, vencendo, com 80% dos votos, uma eleição democrática contra o líder comunista Vyacheslav Kebic. Sem muitos indícios do rumo que pretendia tomar na época, o atual ditador foi eleito sob propaganda anti-corrupção e num período pós-dissolução da URSS, cujo resultado eleitoral indicou a intenção da população de se afastar da memória soviética. Apesar disso, o ditador optou pelo contrário.


No mesmo ano de sua vitória, Lukashenko encerrou as privatizações e reformas de mercado em andamento, enquanto inflou e impulsionou as estatais. As indústrias ficaram sujeitas a um Estado sem capacidade de reinvestimento e averso a capital externo não-russo, resultando em atraso tecnológico frente ao globo. O último pilar da economia, até hoje, é a refinaria e exportação de petróleo e gás natural vindos da Rússia. Com uma política econômica restrita e débil, configuraram-se inúmeras crises econômicas. A modesta retomada iniciou-se há 3 anos e foi novamente arrebatada pela crise do coronavírus.


A insatisfação com Lukashenko é crescente, logo, torna-se surpreendente o longo período de tempo em que ele se manteve à frente do país. Há um fator que explica tantos anos no poder: o uso indiscriminado da máquina pública a seu próprio favor. Somado a isso, a propaganda governamental a todo momento buscava mascarar os problemas reais, como a economia ineficiente e políticas interna e externa precárias. Inclusive, recentemente, há relatos de jornalistas que foram censurados ao falar sobre a COVID-19. Além disso, em meio à pressão dos protestos que pedem a renúncia do ditador, profissionais bielorrussos foram substituídos por russos, uma vez que os primeiros noticiavam o atual caos eleitoral e sanitário, enquanto os segundos poderiam espalhar a propaganda da potência eurasiática.


Ademais, as fraudes eleitorais são consenso na comunidade internacional desde 1994, que é chamada de única e última eleição democrática que o país vivenciou. Em 2020, a postura de Lukashenko não diferiu em relação ao passado. Desse modo, o sistema de governo do país passa a ser classificado como um autoritarismo competitivo, termo usado para se referir a países que mantêm uma democracia “de fachada” e, logo, não são, tecnicamente, nem democráticos e nem autoritários. Neste ano, o destaque vai para os protestos pedindo a renúncia do ditador. A magnitude do movimento sinaliza quão saturados estão os bielorrussos, que, enquanto exerciam o direito democrático de protestar, presenciaram mais de 7000 prisões, além de centenas de feridos e mortos.


Para um ditador como Lukashenko, a única opção é recorrer à Rússia - como sempre fez. Durante seus 26 anos de governo, conseguiu estabilizar minimamente a economia quando submeteu a maioria das relações comerciais do país a acordos bilaterais com Putin e limitando, consequentemente, todo o comércio exterior. Apesar disso, houve tentativas de se aproximar do Ocidente por meio de negociações com o FMI e com o Banco Mundial, mas políticas monetárias fracassadas e um governo antidemocrático reduziram significativamente a possibilidade de socorro ocidental.


Portanto, é interessante para a Bielorrússia se aproximar de sua vizinha, bem como, para Putin, é necessário mantê-la como aliada no leste europeu, do ponto de vista da segurança nacional e das estratégias geopolíticas explicadas anteriormente e, sobretudo, devido à semelhança do governo de Lukashenko a um estado fantoche. A nação também cumpre função importante de tampão entre Moscou e Bruxelas ou Washington. Logo, é esperado que o apoio seja mantido, uma vez que atende aos interesses russos na região.


A OTAN, obviamente, age como um jogador adversário ao Kremlin. Seu objetivo é trazer os países ao leste sob influência russa para a sua zona de aliados e sufocar Moscou, que teria sua capacidade de projeção de poder no continente severamente prejudicada.


Dessa maneira, os cidadãos bielorrussos se encontram no meio de uma partida de xadrez entre dois players de grande porte, motivados por questões de segurança nacional. Lukashenko se apoia na suposta defesa de soberania do seu país para se manter no poder. Com baixa probabilidade de interferência direta do Ocidente, espera-se que a situação continue imprevisível e instável, uma vez que, de um lado, a população rejeita de toda maneira a continuação da ditadura atual e, de outro, há a Rússia atuando como jogador importante para garantir o status quo.


Lukashenko pede socorro ao irmão, cujo nome, para seus cidadãos, mais soa como Caim.


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