por Lucas Barros
Após meses de sacrifício e aflição, o pior da pandemia já aparenta ter passado. No seu rastro, além da evidente e direta perda de vidas, houve o baque econômico que provocou a queda de -9,7% do PIB brasileiro no 2º trimestre, na comparação com o trimestre imediatamente anterior. Esse choque na economia causou perdas aos balanços da maioria dos agentes econômicos - dos governos às nossas famílias - com quedas nas vendas, desemprego, redução da arrecadação e perdas financeiras. Na medida em que nos recuperamos, os efeitos ficam pra trás - mas não todos: alguns dos impactos da crise poderão persistir no longo prazo.
O gráfico acima mostra o desempenho do PIB desde 1993 e os níveis de produto potencial ao longo desse período. Produto potencial é, basicamente, um indicativo do nível de produção alcançável no curto prazo com ampla utilização dos fatores de produção - capital e trabalho. Em outras palavras, caso o desemprego seja pequeno, por exemplo, e haja muita facilidade em encontrar emprego, provavelmente a economia poderá estar próxima desse nível, ou momentaneamente acima.
Há, ainda, uma relação, presente no gráfico, entre o produto potencial e o PIB efetivo: aquele costuma crescer quando esse está em trajetória de alta - são correlacionados. Durante a crise econômica do segundo mandato da Dilma, ambos caíram. Com a recuperação tímida do triênio seguinte, o produto potencial pouco avançou, enquanto o PIB efetivo manteve-se distante do pico de 2013. Em 2020, consequentemente, o produto potencial está em queda. Mas por que isso acontece e qual a importância disso? Bem, existem alguns relações que podemos deduzir logicamente.
Em períodos de boom, com a economia em crescimento sustentado, algumas tendências são estimuladas. O jovem consegue investir mais em sua própria educação, seja por estar empregado ou ser dependente de pessoas com empregos estáveis. Os pais podem custear escolas melhores aos seus filhos. A maior qualificação resultante impulsiona a produtividade e o produto potencial do país. Analogamente, com aquecimento da demanda, as empresas ficam propícias a investirem em máquinas mais eficientes e tecnologias novas.
Nos períodos recessivos, entretanto, estímulos contrários ocorrem. Com a redução dos balanços, gastos com educação podem ser restringidos e investimentos postergados. O efeito histerese, que já foi abordado aqui no ano passado, é outra trava ao produto potencial. Pessoas há muito tempo deslocadas do mercado de trabalho perdem produtividade - o que as distancia mais de uma recolocação.
No entanto, a crise atual poderá ter efeitos ainda maiores, impostos por sua característica única de pandemia. Com as medidas prudenciais de restrição, as escolas permanecem fechadas. Apesar de muitas delas terem continuado suas atividades usando plataformas online, a efetividade desse método é questionável para a formação na educação básica, ao mesmo tempo em que sua adoção não foi ampla o suficiente. Uma pesquisa divulgada pelo Jornal Nacional, em 07/08 deste ano, mostrou que 21% dos alunos de escolas públicas não haviam tido, até então, nenhuma atividade pedagógica. Dificuldades de infraestrutura estão entre as maiores dificuldades.
Outra pesquisa, realizada pelo Ibope e divulgada no início de setembro, mostrou que 72% dos entrevistados - de classes A, B e C - concordavam que o retorno presencial às aulas só deve ocorrer após uma vacina. Por sua vez, a distribuição efetiva da imunização é esperada, com otimismo, para meados de 2021. Prudentemente, alguns governos locais, como o de São Paulo, têm planejado retomadas parciais, com limitação da capacidade diária de alunos e priorização daqueles com dificuldades de utilização do ensino virtual. Enquanto isso, porém, bares, shoppings e academias estão abertos há meses.
Dados os problemas econômicos, é usual que a evasão escolar aumente, na medida em que os jovens de classes mais baixas abandonam a escola para ajudar os seus pais com algum emprego. De acordo com a PNAD Contínua Educação 2019, 20,2% das pessoas de 14 a 29 anos não completaram o ensino médio por causa de evasão escolar. Dentre elas, 39,1% assim o fizeram por necessidade de trabalhar. Por consequência dessas questões, a distância entre esses jovens deixados para trás e os demais deverá aumentar. Além disso, os impactos são crescentes quanto mais jovens forem os alunos.
A educação é o principal meio de ascensão social e sua efetividade tem resultados diretos nas vidas das pessoas e na produtividade que elas terão ao longo da vida. Uma retomada econômica muito gradual e o atraso de algum retorno da educação básica irão adiar a resolução desses problemas, o que amplificará os efeitos da pandemia no longo prazo. Isso representa, portanto, um obstáculo relevante à redução de desigualdades sociais e à agenda de elevação da produtividade brasileira.
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