Os avanços tecnológicos, indiscutivelmente, vêm transformando as formas com as quais os indivíduos interagem em sociedade e com o mundo no qual vivem. Tais mudanças se refletem de forma óbvia na economia: os novos serviços oferecidos através de aplicativos ou endereços online exemplificam claramente o quão revolucionários podem ser não só em suas áreas de atuação, como também no mercado de ações e na vida cotidiana das pessoas. Tal é o caso dos serviços por assinatura, onde Netflix e Spotify são líderes. A oferta de produtos - atrelada necessariamente à propriedade de um bem específico, como DVDs - se enfraquece e dá lugar à oferta de serviços, cuja característica essencial é oferecer flexibilidade e diversidade de opções por menores preços e maior acessibilidade -- o consumidor utiliza um serviço, e não se torna proprietário do bem usufruído.
Em uma era na qual menos da metade dos usuários da internet se utilizam somente de meios legais para ter acesso a filmes, músicas e/ou qualquer outro tipo de conteúdo multimídia, os serviços por assinatura voltados a tais setores “resgatam” a grande parte de adeptos a pirataria oferecendo um vasto acervo cultural por preços acessíveis. A porcentagem de internautas que se valem somente de meios legais para ouvir música online é crescente, assim como a quantidade de usuários dos serviços de streaming, ao passo em que houve um decréscimo significativo no número de adeptos ao peer-to-peer, um dos meios mais notáveis de compartilhamento ilegal de arquivos.
O modelo de streaming revolucionou não só a indústria fonográfica, como também a de filmes e séries. Dados de 2011 já apontavam a Netflix como o serviço virtual voltado a esse segmento com o maior número de inscritos. Apenas em território estadunidense e canadense, 20 milhões de pessoas eram assinantes. Além do significativo prejuízo sofrido pelas locadoras tradicionais (a rede Blockbuster, por exemplo, declarou falência em 2010, ano no qual já havia sido tornada obsoleta pelo Netflix, cuja receita no mesmo ano já era de 2,2 bilhões de dólares), o streaming de séries e filmes também amedronta as emissoras televisivas tradicionais: ainda em 2011, foi apontado que 1/5 do tráfego de dados na rede no horário nobre norte-americano era ocupado pela faixa de usuários do Netflix cuja idade era inferior a 21 anos, mostrando que o modelo virtual é o preferido e o mais cômodo para os jovens.
Apesar do sucesso estrondoso do Spotify (a empresa atingiu a marca de 100 milhões de usuários em junho de 2016), a empresa segue em uma constante batalha para alcançar lucro: até a segunda metade do ano passado, o serviço teve prejuízo operacional em todos os anos desde sua fundaÇão, ocorrida em 2006. Ainda assim, as perspectivas são de melhora constante: embora os altos gastos da empresa com a obtenção de direitos e remunerações aos artistas (os quais recebem 80% do arrecadado com os streams), a quantidade de usuários que utilizam a versão paga atingiu a marca de 50 milhões no início deste ano, e tende a crescer ainda mais.
Os serviços de streaming convivem com pouquíssimos tributos a pagar devido à sua recente história. Basicamente, são responsáveis apenas pelos direitos autorais das obras exibidas. No caso específico da Netflix, o retorno é tão grande que a empresa é capaz de patrocinar filmes e séries, gerando outra fonte de lucro para si e expandindo ainda mais o nome da marca. Alguns governos, como os de municípios estadunidenses e até mesmo o governo federal brasileiro, já visam taxar tais serviços. As justificativas vão desde uma suposta competição desleal para com as concorrentes do mercado, que pedem impostos iguais, como também própria necessidade de arrecadação tributária de tais locais. Os projetos de lei que taxam empresas como a Netflix e o Spotify, entretanto, ainda estão em processo de tramitação.
Outra área igualmente inovadora aproxima-se mais do conceito de economia compartilhada, mas partilha também da rejeição de setores ‘tradicionais’, que vêem as pioneiras Uber e Airbnb como agentes de uma economia informal paralela e selvagem. A economia compartilhada, em um crescente boom desde o final da década passada, se posiciona de forma única no cenário econômico graças à sua relação com as propriedades. O foco dessa área - e, com as recentes tecnologias, se torna surpreendentemente mais eficiente - é otimizar a alocação de recursos já existentes de forma a baixar os custos - e, portanto, os preços - e eliminar a ociosidade de certos bens. Ao invés, por exemplo, de comprar uma serra elétrica, o consumidor aluga o bem de alguma outra pessoa que não o usaria naquele instante. Fabricantes desse bem, por consequência lógica, acabariam prejudicados pela queda na demanda por seus produtos.
O uso avançado da internet e das redes móveis propiciou o surgimento de intermediários - ou seja, desprovidos de qualquer tipo de propriedade que poderá ser alugada - dispostos a estabelecer um network bem fundamentado e estabelecido, para ligar usuários-consumidores a proprietários de bens ociosos. Na medida em que os bens continuam sendo necessários, mas que não há troca de proprietário, as empresas digitais - como as já citadas Uber e Airbnb - tornam-se dependentes de contínuas prestações de serviços, que as intermediárias tentam melhorar através de constante contato e comprometimento com clientes nas redes sociais e aplicativos.
Essas empresas não são sujeitas às mesmas regras de setores similares com os quais concorrem, e pode parecer impressionante como conseguiram tamanho crescimento. A Uber, no começo de 2016, valia 70 bilhões de dólares, e em 6 anos de existência já havia ultrapassado o valuation de empresas centenárias como Ford e GM, enquanto a Airbnb alcançou, em março de 2017, 31 bilhões. Ambas não arcam com os custos dos serviços, mas por utilizarem a internet como ferramenta para pessoas com interesses compatíveis - transportar-se a um lugar, e transportar alguém por dinheiro, por exemplo -, conseguem milhões em lucro. A propriedade e o cerne da questão estão na interface.
Em contrapartida, a assimetria do mercado causa uma competição desleal entre os setores ‘tradicionais’ e os inovadores. Táxis, por exemplo, são flagrantemente mais regulamentados que os motoristas de Uber, e estes, por sua vez, cobram preços frequentemente bem inferiores. Em São Francisco, por exemplo, a diferença de preços e qualidade do serviço causou uma queda de 65% no uso dos táxis nos dois anos subsequentes à entrada do Uber no mercado. No entanto, existe uma evidente reação dos taxistas, tanto através de pressões por mais regulações ao Uber como de melhorias em seus serviços - chegando até à criação de aplicativos similares, mas voltados aos taxistas. Os mesmos parâmetros e tendências podem ser encontrados quando a questão passa a ser a dicotomia Hotéis x Airbnb: dezenas de milhões de pessoas já foram usuárias do Airbnb, ao mesmo tempo em que a rede hoteleira de Nova Iorque registra queda de arrecadação cerca de 400 milhões de dólares em um ano.
Tudo isso, claro, traz à tona a questão da regulamentação desses serviços. No Brasil, apesar de remendos jurídicos locais que tentam interferir no funcionamento do aplicativo Uber, o debate terá de ser feito à nível federal. Como o aplicativo pode ser definido como ligado à comunicação - conecta usuários a motoristas -, a lei prevê que isso seria agenciamento. A tributação, nesse caso, seria por ISS e a tendência é que incida diretamente sobre os motoristas, ou no saldo final da corrida, não no Uber em si. A fiscalização para tal, no entanto, é precária, e levanta questões acerca da modalidade do imposto a ser adotado. No contexto do outro aplicativo analisado, o Airbnb, a regulação enfrenta uma linha especialmente tênue. Quem é o responsável por ter ‘hospedado’ o usuário? Duas alternativas: o aplicativo oferece o local, então é responsável; ou ele se define meramente como uma plataforma, e, logicamente, não pode ser tributado pelo serviço.
A volatilidade do meio virtual propicia uma nova plataforma e, consequentemente, novos produtos, a todo momento, e a adaptação dos consumidores às opções que surgem tem sido cada vez mais rápida. Os reflexos no consumo, no market share dos setores envolvidos e na integração dos produtos já existentes com as novas tecnologias proporcionam um estudo quase diário na área econômica e, embora uma parcela da sociedade ainda relute em aceitar o ótimo momento dos serviços oferecidos por meio virtual, a revolução causada por estes no que tange não só ao social, como também ao papel regulador do Estado e às finanças é inegável e surpreendente.
Lucas Barros e Victor Severiano
Fontes utilizadas:
http://www.huffingtonpost.com/entry/time-to-tax-netflix-some-cities-and-a-state-think_us_586bbbb4e4b014e7c72ee406 http://exame.abril.com.br/economia/governo-prepara-novo-imposto-sobre-netflix-e-spotify-diz-blog/
http://g1.globo.com/tecnologia/noticia/2016/06/spotify-atinge-100-milhoes-de-usuarios.html http://economia.uol.com.br/noticias/bloomberg/2017/03/03/spotify-atinge-50-mi-de-usuarios-pagos-e-levanta-setor-de-musica.htm
http://www.cnbc.com/2017/03/09/airbnb-closes-1-billion-round-31-billion-valuation-profitable.html
http://www.businessinsider.com/how-netflix-bankrupted-and-destroyed-blockbuster-infographic-2011-3
http://www.pieria.co.uk/articles/uber_and_the_economic_impact_of_sharing_economy_platforms
https://www.forbes.com/sites/andrewcave/2016/10/18/netflix-versus-uber-does-the-subscription-or-sharing-economy-have-more-potential/#6ac6ad523d94
http://gizmodo.uol.com.br/leis-no-brasil-para-servicos/
http://www.mirror.co.uk/tech/netflix-uber-spotify-disruptor-businesses-7354782/
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